León Ferrari

León Ferrari: as provocações de um artista

Em 1952, León Ferrari se deparou com um problema: a filha mais velha, Mariali, sofria de meningite e, na Argentina, país onde nasceu e vivia até então, o único tratamento disponível não se mostrava eficiente. Entre pesquisas, ligações, consultas e especialistas, Ferrari descobriu, em Florença, uma clínica que teve sucesso no tratamento de alguns casos. Mariali chegou a receber a extrema unção no hospital, mas logo embarcou para Itália com o pai, que comoveu a tripulação e os passageiros e conseguiu desviar o curso: o voo, destinado à Piza, pousou direto em Florença. Mariali foi curada – apesar do medicamento argentino tê-la deixada surda. Ferrari permaneceu com a esposa e com a filha por mais três anos na Itália e, lá, começou a realizar seus primeiros trabalhos de arte em um ateliê em Roma.

A partir daí, Ferrari abandonou a vida de químico e começou a traçar sua carreira como um dos mais importantes artistas da América Latina. Com um processo vasto de experimentações, passou pela pintura, pelo desenho, pelos objetos tridimensionais, pela instalação, pelo vídeo e pela colagem e se estabeleceu como um artista crítico, polêmico e com uma ética clara, defendendo a justiça social e a liberdade. No entanto, por seu espírito combativo, Ferrari travou batalhas que levou até o final da vida.

A ARTE conceitual

Num primeiro momento, nos anos 60, Ferrari foi um grande questionador das artes tradicionais. Em uma de suas obras, “Cuadro escrito”, hoje na coleção do MALBA, usa da caligrafia para criar formas sobre a tela, em um quadro cujo texto revela qual seria o quadro que ele pintaria, caso soubesse. “A forma de escrever, de desenhar as palavras, é parte do significado, como é o tom da voz que as pronuncia. E escrevo desenhos para contar pensamentos, imagens que as palavras não sabem contar”, diz o artista.

Reprodução da obra "Quadro escrito" de León Ferrari.
León Ferrari. "Cuadro Escrito", 1964. Nanquim sobre papel. Foto: MALBA

LEÓN FERRARI E A IGREJA CATÓLICA

Reprodução de La civilización occidental y cristiana de León Ferrari
León Ferrari. "La civilización occidental y cristiana", 1965. Foto: museo nacional de Bellas Artes (AR).

Depois, Ferrari trava uma batalha com a Igreja Católica. Quando já estava se consolidando como um dos artistas do cenário de vanguarda na argentina, recebeu o convite de Jorge Romero Brest, do Centro de Artes Visuais do Instituto Torcuato Di Tella, para participar da exposição do Prêmio Nacional. Ferrari enviou quatro peças que questionavam a lógica do poder político-religioso. Uma delas foi censurada pelo próprio Brest: A civilização ocidental e cristã se trata de um objeto tridimensional, onde a imagem de Jesus está crucificada em um avião de guerra norte-americano.

Essa não foi a última vez que Ferrari comprou briga com a Igreja. Em muitos momentos de sua carreira, fez intervenções em imagens e textos religiosos, usando de réplicas e de páginas da bíblia, por exemplo. Chegou a escrever cartas ao Papa pedindo a abolição do inferno e ganhou desafeto do cardeal Jorge Bergoglio, que mais tarde seria o Papa Francisco.


Em um dos casos mais notórios, em 2004, León Ferrari montou uma restrospectiva no Centro Cultural Recoleta em Buenos Aires, cuja uma das salas se chamava “Infernos”: apresentava diversos Cristos e Nossas Senhoras dentro de torradeiras, frigideiras e liquidificadores – alegando que a promessa de um inferno era uma tortura. A sala foi tomada pelos religiosos que exigiram o fechamento da sala. O cardeal Bergoglio conseguiu fechar a exposição que, então, virou símbolo de liberdade de expressão e sucesso de público.

Com a exposição, Ferrari se tornou uma celebridade e suas obras foram para museus como o Reina Sofía, o MoMA, o Tate e ganhou o Leão de Ouro em Veneza, três anos depois.

León Ferrari, Tostadora (Toaster) from the series Ideas para infijiernos
León Ferrari. "Tostadera" da série "Ideas para infiernos". Foto: SPArte.

LEÓN FERRARI E A DITADURA

Outro desafeto que Ferrari criou foi a ditadura argentina. Antes mesmo de se instaurar, Ferrari já sofria críticas dos mais conservadores, em artigo para a revista Propósitos, se defendeu:

"Tirar a crítica da arte é cortar seu braço direito, limitar a crítica ao que não seja áspero ou corrosivo é afogá-la com açúcar; proibir a exibição de quadros porque o espectador pode se dar conta de que o autor é comunista, e seus objetivos são a implantação da ditadura do proletariado, é pretender introduzir a discriminação ideológica na arte, é a censura prévia; esta escultura parece ser de um comunista e parece querer dizer “viva Lenin”: fora! Aquela outra não evidencia cor política: dentro."

León Ferrari

Quando a ditadura se instaurou, Ferrari se exilou no Brasil para proteger a família das perseguições. Foi um momento prolífico da carreira do artista. No entanto, foi marcado por uma mágoa, um de seus filhos, Ariel, ficou em Buenos Aires e foi uma das vítimas da ditadura. A situação resultou numa série de quadros chamados de Errores: feitos em nanquim, representam traços obsessivos feitos sobre o papel.

Reprodução de obra de León Ferrari
León Ferrari. Sem Título da série "Errores". Nanquim sobre papel. Foto: Art Institute Chicago

Em meio a tantos desafetos, Ferrari construiu também amigos e admiradores: na sua fase no Brasil entrou em contato com artistas como Regina Silveira, Julio Plaza, Carmela Gross, Alex Fleming, Marcelo Nietsche e Hudinilson Jr. Chegou a ser considerado um dos maiores artistas vivos pelo New York Times. E gostava de passar tempo com a família: se divertia mostrando suas obras para as netas.

Algumas das obras de León Ferrari estão no nosso acervo. Confira!

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