Cícero Dias: Eu vi o mundo… e ele começava em Recife

“Eu vi o mundo… e ele começava no Recife”: essa é a epígrafe do pintor Cícero Dias, inscrita na pedra de seu túmulo no cemitério Montparnasse, em Paris. A frase marcou a vida e obra do pintor. Modernista, Dias nasceu na zona da mata pernambucana e passou sua infância no engenho do avô, chamado Jundiá, morou no Rio de Janeiro e em Recife, mas passou grande parte da vida em Paris, para onde se mudou depois de ter seu ateliê em Recife invadido pela polícia durante o Estado Novo. Lá, convive com artistas como Georges Braque, Fernand Legér, Henri Matisse e Pablo Picasso. Cícero Dias ainda teve mais de sessenta anos de carreira a partir daí: pintou natureza morta com tons de ironia, deu largada à arte geométrica, fez os primeiros murais abstratos latino-americanos e voltou para o estilo que marcaria sua obra, o seu figurativo onírico, a partir dos anos 60.

Epígrafe de Cícero Dias em Montparnasse.
Epígrafe de Cícero Dias em Montparnasse.

Esse estilo, foi parte de um marco nas artes nacionais: fundou o Modernismo Regionalista. Se, nos anos 20 e 30, os modernistas do sudeste estavam em diálogo com as artes europeias, Cícero Dias estava em diálogo com suas raízes no interior de Pernambuco. Fazia de Jundiá sua Pasárgada: com os olhos pueris e o desejo de um adolescente, pintava cenários oníricos e eróticos, flertando com o movimento surrealista, o qual entraria em contato mais tarde. E se os modernistas do sudeste alcançavam espaço em galerias e museus, Dias teve sua primeira exposição em um hospital psiquiátrico e passou um tempo expondo em faculdades. Parte por causa do estilo único, parte por causa da polêmica causada pelo seu trabalho, mas também por sua pessoa pública: por suas escolhas políticas, foi preso e perseguido pelo Estado Novo de Getúlio Vargas.

A sua obra mais polêmica, e talvez também a mais conhecida, tem como nome justamente a frase que orientou sua vida: “Eu vi o mundo… e ele começava no Recife”. A obra era um mural pintado em aquarela sobre papel kraft, com mais de 15 m de largura. Cícero Dias passou três anos pintando o mural em uma casa em Santa Teresa, no Rio de Janeiro.

Reprodução da obra de Cícero Dias, "Eu vi o mundo... ele começava no Recife".
Cícero Dias. "Eu vi o mundo... ele começava no Recife", 1931. Aquarela sobre papel.

Exposta no Salão Revolucionário da Escola Nacional de Belas Artes, a obra não chocou apenas pelo tamanho, mas também por sua natureza erótica. Mário de Andrade comenta, em carta para Tarsila do Amaral: “Aqui, grande bulha por causa do Salão em que o Lúcio Costa permitiu a entrada de todos os modernos, e o Cícero Dias apresenta um painel de quarenta e quatro metros de comprimento com uma porção de imoralidades dentro. Os MESTRES estão furibundos, o escândalo vai grosso, ouvi contar que o edifício da Escola de Belas Artes rachou o choque foi tanto que vândalos invadiram a mostra e cortaram parte do lado esquerdo da pintura”.

A pintura encolheu três metros e só foi exibida novamente quando exposta na 8ª Bienal de São Paulo, em 1965. Reza a lenda que Cícero Dias tirou a pintura da Bienal e a levou para Paris, sob as alegações de que não havia doado para Museu Nacional de Belas Artes, a obra, e, logo, eles não teriam o direito de emprestá-la. Em Paris, a obra foi restaurada, colada sobre tela e negociada para uma coleção privada no Brasil.

Com todas as polêmicas no Brasil, foi na França que Cícero Dias, com seu estilo moderno e provocador, ganhou renome, ao expor na Exposição Internacional de Artes, em 1937, e, logo depois, na Galerie Jeanne Castel e na Galerie Denise René. As obras de Cícero Dias ganharam o mundo e hoje estão em coleções como o Pompidou, na França; o o MALBA, na Argentina; a Fundação Cisneros, na Venezuela; o Museo Nacional de Arte Reina Sofia, na Espanha e, no Brasil, na Pinacoteca do Estado de São Paulo e no MAM-SP.

Em 2001, dois anos antes de sua morte, Pedro Paulo Mendes e Manoel Benevides editaram uma série de serigrafias de Cícero Dias que foram impressas em um ateliê em São Paulo e assinadas por ele em Paris. Essa série está disponível no acervo da Laart. Confira!

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