Retrato do pintor Rubem Valentim em frente a suas obras.

Rubem Valentim: para uma arte brasileira

Artista brasileiro, Rubem Valentim, e Semana de Arte Moderna de 1922 comemoraram centenário no mesmo ano. Entre aproximações e distanciamentos, ambos criaram projetos para a arte brasileira.

O ano de 2022 marcou os centenários de dois eventos importantes na arte brasileira. Comemorava-se a Semana de Arte Moderna de 1922, em que artistas, na sua maioria brancos da elite paulista, montaram uma exposição no Teatro Municipal de São Paulo que dividiu a história da arte brasileira. Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Victor Brecheret, Mário de Andrade entre diversos outros artistas colocavam em suas obras a necessidade de construir uma identidade brasileira frente às tradições europeias que imperavam nas artes. 

O movimento teve seu pensamento organizado no Manifesto Antropofágico, de Oswald de Andrade, onde o escritor convocava a um resgate das “culturas primitivas” do país, e, por metáfora e inspiração dos rituais antropofágicos dos povos indígenas, propõe a deglutição da cultura estrangeira para a criação de uma cultura nacional.

No mesmo ano, em 2022, se comemorou o centenário do nascimento de Rubem Valentim. Artista negro e baiano, Valentim iniciou sua produção nos anos 50, onde trabalhou signos das mitologias afro-brasileiras e originárias, lançando mão de elementos da arte abstrata e construtivista. Valentim se considerava antropofágico de certo modo. Em seu “Manifesto, ainda que tardio” comenta comparações do crítico Mário Pedrosa do seu trabalho à antropofagia oswaldiana: “A Arte Brasileira só poderá ser um produto poético autêntico quando resultado de sincretismos, de aculturações sígnicas (semiótica/semiologia não verbal) das culturas formadoras da nossa nacionalidade de base (branco-luso-negro-indio) acrescidas com a contribuição das culturas mais recentes trazidas pelos diferentes povos de outras nacionalidades que, aqui nesse espaço, Brasil-Continente comum a todos, se misturam.”

Exposição de Rubem Valentim na Pinakotheke, em São Paulo. Fonte: Pinakotheke.
Exposição de Rubem Valentim na Pinakotheke, em São Paulo. Fonte: Pinakotheke.

No entanto, muito distancia a produção de Valentim da dos artistas modernos dos anos 1920. Se de um lado, estes valorizavam as culturas indígenas e afro-brasileiras que aqui foram criadas; hoje, mais de um século depois, cabe um revisionismo. Assim, o que a crítica aponta é que a abordagem dessa antropofagia oswaldiana tem reverberações também como violência. Afinal, a maneira de construir e perceber sujeitos – e a realidade, de modo geral – é uma herança do projeto moderno europeu e, por isso, sempre carrega consigo traços do colonialismo. Assim, ao tratar dessas culturas, sem estabelecer um recorte de raça-etnia, gênero e classe, sob o viés de uma elite branca, o fenômeno é hoje percebido como uma apropriação. Ou até como um processo de outrificação, ou seja, de usar esses elementos para criar um “sujeito brasileiro universal” (mas que é sempre branco) e, a partir daí criar os “outros” (os negros e os indígenas), que são negados a essa subjetividade.

A arte é tanto uma arma poética para lutar contra a violência, como um exercício de liberdade contra as formas repressivas: o verdadeiro criador é um ser que vive dialeticamente entre a repressão e a liberdade.

Rubem Valentim

O que o trabalho de Valentim faz é justamente o contrário. A busca por outras maneiras de construir a arte é uma busca, também, por outras maneiras de construir o sujeito. Então, Valentim acaba por criar, a partir dos signos, novas percepções da sua subjetividade enquanto homem negro. Em seu Manifesto comenta: “Com o peso da Bahia sobre mim — a cultura vivenciada; com o sangue negro nas veias —  atavismo; com os olhos abertos para o que se faz no mundo — a contemporaneidade; criando os meus signos-símbolos procuro transformar em linguagem visual o mundo encantado, mágico, provavelmente místico que flui continuamente dentro de mim. O substrato vem da terra, sendo eu tão ligado ao complexo cultural da Bahia: cidade produto de uma grande síntese coletiva que se traduz na fusão de elementos étnicos e culturais de origem europeia, africana e ameríndia.”

Valentim faleceu em 1991, mas a arte contemporânea continua com seu legado.

Obra de Rubem Valentim na 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível. Foto: Levi Fanan. Fonte: Fundação Bienal de São Paulo
Obra de Rubem Valentim na 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível. Foto: Levi Fanan. Fonte: Fundação Bienal de São Paulo

Algumas obras de Rubem Valentim estão disponíveis no acervo da Laart. Confira!

Share with

There are no comments

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Start typing and press Enter to search

Shopping Cart
Não há produtos no carrinho.