Ferreira Gullar: o outro lado do poeta

Ferreira Gullar, nascido José Ribamar Ferreira, em São Luís (MA), publicou seu primeiro livro aos 19 anos e, dois anos depois, se mudou para o Rio de Janeiro. A partir daí, construiu uma das carreiras mais celebradas da literatura brasileira. Em textos para jornais e revistas, em peças de teatro, letras de músicas, em ensaios e em seus livros de poesia – como A luta corporal e Dentro da noite veloz -, Gullar foi símbolo de uma literatura contemporânea.

No entanto, o escritor esconde um segredo: antes de ser poeta queria ser pintor.  Ele comenta: “Pois já aos dez anos, tentei pintar figuras e paisagens, chegando mesmo a improvisar uma tela com pano de saco. Foi um desastre, porque o pano chupou a tinta e o resultado foi um borrão. Depois, melhor informado, comprei uma pequena tela numa papelaria e nela pintei meu primeiro quadro, que minha mãe manteve na parede da sala por anos a fio. Coisa de mãe.”

Ferreira Gullar. Não, 1959. Acrílico sobre madeira.

Pintura

Eu sei que se tocasse
com a mão aquele canto do quadro
onde um amarelo arde
me queimaria nele
ou teria manchado para sempre de delírio
a ponta dos dedos

Ferreira Gullar

Gullar, no entanto, sempre manteve relações com as artes visuais. Enquanto poeta, criou poemas visuais em sua fase concreta, e depois, quando rompeu com o concretismo, o seus livro-poemas, poemas-espaço e o seu “Poema Enterrado”. Além disso, sempre foi um crítico respeitado: escreveu o Manifesto do Não-Objeto, onde teorizou, pela primeira vez, a arte neoconcreta. De modo que, em jornais e em seus livros, além de em suas aparições públicas, Gullar acompanhou a história da arte brasileira nos seus 67 anos de carreira.

No entanto, sua produção enquanto pintor foi sempre reservada. Depois da infância, voltou a pintar só durante a ditadura militar. Sempre engajado com a política e com questões sociais, Gullar sofreu duras repressões e, durante o exílio, se arriscou com o pincel novamente.

Azul e negro

Ver é delírio.
Como dizê-lo?

O azul é noite
o azul é morte.
Como sabê-lo?

Ferreira Gullar

Começou com reproduções. Em seu apartamento em Copacabana, podia ser visto um quadro de Mondrian, dois Léger e um móbile de Miró que causaram surpresa aos visitantes durante os anos. No entanto, as obras que ali estavam eram trabalho do próprio Gullar, que, admirando os artistas, mas sem a oportunidade de adquirir uma obra deles, começou a imitá-los. Gullar manteve essas pinturas para si.

Mas foi a partir das reproduções que o poeta se descobriu um pintor. Certa vez, ao tentar pintar os quadros de Giorgio Morandi, descobriu o seu estilo. Ele comenta: “Inicialmente, as figuras tinham volume, como as do pintor italiano mas, depois, as transformei em formas quase abstratas e geométricas. Valho-me sempre dessas mesmas formas, para conceber os quadros, variando a composição e o colorido.”

A partir de então, Gullar manteve uma produção de arte constante, entre pinturas, desenhos e colagens. Guardava as reproduções para si, mas dava as originais aos amigos. Mas foi só no final da vida que levou a sério a carreira de artista plástico, quando realizou as primeiras exposições e edições de gravuras. Chegou a ganhar o prêmio Jabuti, em 2012, pelas ilustrações de seu próprio livro, Bananas Podres.

As únicas gravuras de Ferreira Gullar editadas ainda em vida estão no acervo da Laart. Confira:

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